segunda-feira, 30 de abril de 2012

Hospício é Deus


         Recentemente li o livro Hospício é Deus da autora Maura Lopes Cançado, um livro objetivo, sincero, realista e desmedido em suas revelações. O livro narra a própria história de Maura dentro do hospício, com a visão e convivência da narradora nessa outra realidade distante das pessoas  “sãs e normais”. Maura descreve e denuncia as condições  precárias do hospício, sendo ele particular ou público. O tratamento desumano dos funcionários com os pacientes, os mesmos vistos como “loucos”, a falta de identidade, privacidade, respeito, desamor, o descaso e a negligência de como  os  pacientes são tratados por aqueles que supostamente deveriam oferecer condições para uma melhora psiquica  e emocional.
            Maura conta a sua própria história, entrelaçando com outras histórias marcantes de pessoas únicas e significativas em sua caminhada. Narra os fatos ocupando dois personagens na narração, um personagem como testemunha ocular das agressões, hostilidades e morte de outras pessoas que dividiram o mesmo local que Maura e o outro personagem como protagonista da sua própria realidade e vida, sem dubles, sem maquiagem, sem príncipe encantado para salvá-la do sistema malvado e principalmente sem o seu final feliz.
            No livro a autora denuncia situações que poucas pessoas imaginam que possam acontecer fora da sua área de conforto, e principalmente em um lugar perto de todos nós, acreditamos que esse lugar serve para ajudar a pessoa portadora de determinada doença ou transtorno ou síndrome e que tenham um preparamento físico e emocional para saber lidar com essa realidade tão diferenciada e carente de cuidados. Afinal de contas quem é o “louco” afinal? Eles que falam e fazem tudo sem fingimento e sem nenhuma máscara cobrindo o seu eu ou nós que  todo o dia e todo o tempo usamos máscara para encobrir o nosso verdadeiro eu?


Hospício                                         

Segui o avental branco
No corredor aceso
E esticado
Como um farol
Vim porque quis
E aqui estou
Inteira
Completa
Nua

Sempre supus
Que algum lugar      
Me coubesse
E me dispensasse
A lucidez
O intervalo da vida
É aqui
É só querer ser
E se é
Já aceita
Quase compreendida.

Tive que vir
Porque aqui sou pura
E leve
Sem realidades
Esbanjando sonhos
Livremente

 Vera Brant




domingo, 5 de fevereiro de 2012

As Cruzadas- O Outro Lado da Humanidade

Recentemente assisti ao filme “As Cruzadas” de John Hillocoat. Um filme realista, sombrio e possivelmente futurista, não com tantas peripécias, mas como será o comportamento da humanidade para sobreviver.
O filme conta a história de pai e filho que tentam a tudo custo sobreviver a um evento cataclísmico que atingiu a terra, devastando-a por completo. Milhões de pessoas foram erradicadas por incêndios, inundações, a energia elétrica se acabou e outras morreram de fome e desespero. O pai e seu filho resolvem partir em uma longa viagem pela América destruída, em direção ao oceano, em uma épica jornada de sobrevivência nesse mundo pós-apocalíptico. Os dois devem permanecer unidos, contando com uma imensa força de vontade que mantém suas esperanças vivas, não importa a qual custo, para enfrentar todos os obstáculos, desde as condições adversas de temperatura até uma gangue de caçadores canibais.
Um dos pontos mais fortes e latentes que chamou minha atenção nesse filme foi a tentativa a todo custo de se manterem vivos e com esperanças. O princípio básico da psicodinâmica é o ciclo de Acaiah, que aborda os três instintos primários (sobrevivência, qualidade de vida e perpetuação da espécie) e os três instintos secundários (socialização, respeitar regras e leis e escolher um líder ou um governante).
 Segundo Acaiah (1987), o primeiro instinto do ser humano é a sobrevivência, ou seja, tentar de qualquer forma se manter vivo (garantir o alimento). Esse instinto é implacável no filme e os personagens conseguem realizar isso muito bem. Todos querem sobreviver até praticando o canibalismo entre si, cada um pensando em manter sua vida. O instinto de querer se manter vivo não está somente ligado aos personagens do filme, mas também ao nosso dia a dia, nas situações em tentar arrumar um emprego, se manter no emprego, conseguir manter a ética, o caráter, a honestidade diante de tantas situações que nos permeia.
O manter-se vivo é o primeiro passo para a continuidade da humanidade, o segundo instinto que garante essa continuidade, de acordo com Acaiah(1987) é a qualidade de vida, ou seja, a conservação da espécie, se manter mais tempo vivo. Esse é o caminho que os personagens do filme estão tentando realizar, garantir a permanência da vida por mais tempo. No nosso dia a dia, a qualidade de vida é primordial, com a sociedade moderna temos várias doenças emocionais como: o medo, a insegurança, a ansiedade, o pânico, o estresse, a depressão, etc. Todas podem afetar e perturbar a nossa qualidade de vida, nos deixando doentes.
Um dos elementos que são raros no filme são as crianças, podemos supor que a maioria morreu ou que devido à precariedade das relações e da situação, não houve a continuidade da população. Segundo Acaiah(1987), o terceiro instinto é a reprodução, ou seja, a perpetuação da espécie. Essa reprodução está ligada ao relacionamento, mas o relacionamento é inexistente, diante do cenário de desgranças e infortúnios dos personagens no filme. No campo atual, a reprodução está voltada para o relacionamento e consequentemente os filhos, em outro estágio a confirmação de um legado para os posteriores gerações.   
O terceiro instinto primário que é a reprodução da espécie, também está relacionado com o primeiro instinto secundário que é a socialização, ou seja, respeitar o espaço do outro e adaptação do meio (Acaiah, 1987). O pai tem uma dificuldade de socializar com as poucas pessoas que restam em sua volta, talvez com medo de colocar em risco a sua sobrevivência (comida, água, roupa, tudo escasso), seu filho demonstra mais habilidade e solidariedade com o outro, pedindo ao pai que divida o pouco da comida com o ancião. A socialização, o respeitar o próximo, sempre começa dentro do núcleo familiar, depois na comunidade e logo no grupo social, através dessa sequencia ensaiamos para coisas maiores, como: justiça, leis e regras.
Nota-se que, leis, regras e princípios de justiça que normalmente regem a sociedade, estão deteriorados no contexto em que se vivem os personagens. Ainda segundo Acaiah(1087), o segundo instinto secundário que rege a sociedade é o Regrário. As leis, regras e o senso de justiça estão a mercê de cada um dos personagens, isso irá depender da situação, mas uma regra e lei básica é fazer de tudo para permanecer vivo, mesmo tento que matar o outro para isso. No contexto do filme não há ética, moral e nem certo ou errado, há simplesmente a lei do mais forte e o mais adaptado.
   A consequência do instinto acima é um governo. Conforme (Acaiah,1987), o último instinto é o Craciário, ou seja, a sociedade deposita o poder de governar para uma determinada pessoa ou grupo de pessoas, assim esperam que as leis tragam paz e que consigam organizar uma sociedade mais equilibrada e que sejam atendidas as suas necessidades. No filme não há um governo coletivo, mas um governo individual, ou seja, cada um impõe a sua regra e a sua lei de acordo com as necessidades, pois na questão desfavorável da situação vivida, todos se auto governam e visam o que é melhor para si.
Em determinado momento, o filme nos mostra uma esperança de que todo esse ciclo citado possa acontecer sem sofrimento, sem dor e que haja um novo rumo para as pessoas que conseguirem sobreviver a tudo isso. Que poderemos acreditar que há pessoas com boas intenções, que querem um mundo melhor para si e para os outros e também que todas as etapas sejam cumpridas para o progresso individual de cada um e da sociedade. Isso pode ser um alerta para o futuro, pois teremos que saber sobreviver às adversidades impostas.  O ciclo de Acaiah é uma constante na nossa vida, afinal de contas, não sabemos se esse será o futuro da humanidade, se poucas pessoas irão sobreviver ou se todos irão morrer. Só sabemos que cada pessoa irá reagir de forma diferente, é onde os dois lados do ser humano serão expostos, talvez na mesma pessoa como o Médico (Dr.Jekil) e o Monstro ( Mr. Hide), considerando que seria difícil contar com uma boa moral vigente, uma boa ética depreendida dessa moral e com consequencia um caráter mais humanista. Os sobreviventes tiveram que se esquecer de muitas  boas características humanas. As dificuldades e as necessidades do primeiro instinto se encaminharam disso.   






domingo, 4 de setembro de 2011

O que é Psicodinâmica?

          A palavra psicodinâmica é, em seu étimo composta pela junção de duas palavras gregas e seus conceitos de abrangência; PSICO é o estudo da mente e dos processos mentais + DINÂMICA, derivada da palavra DYNAMIKÓS, parte da física que estuda movimentos e efeitos das diversas forças motrizes, tem seu conceito, na palavra em questão, mudada, na psicologia., como sendo o processo de interação, relação e influências circundantes em todos os “Locus” onde se desenvolve a permanência ou a atividade humana. Portanto definir a Psicodinâmica nos dias atuais vai muito além das correntes e das escolas clássicas, uma vez que não se pode compreender e aplicar um conceito qualquer como sendo Psicodinâmica se sua abrangência for pontual.
            De acordo com Acaiah (1987), é perfeitamente distinguível e agrupável toda a atividade existencial humana em três pares de instintos;
Ø      Primários (Sobrevivência e Conservação)
Ø      Relacionais (Reprodução e Gregário)
Ø      Sociais (Instinto Regrário e Instinto Graciário)

Esses instintos acabaram por ser organizados em um círculo de derivação contínua onde um instinto rege ou desencadeia em outro, contínuo ou não.



            Se levarmos em conta que, a exemplo de nosso próprio corpo, toda manifestação de conceito de vida, do simples ao complexo: célula tecido órgãos  sistemas corpo, também devemos conceituar a sociedade, tanto no individual quanto no coletivo, como um corpo vivo; indivíduo, par, família, grupo social, bairro, cidade, estado, país e planeta. Assim sendo, o Ciclo de Acaiah (1987) acaba tendo uma gama de aplicações praticamente ilimitada, dada a sua abrangência, do individual ao coletivo.
            Para exemplificar a aplicação do ciclo por parte dos profissionais de psicologia, principalmente os recém formados e estabelecer uma espécie de pontapé inicial em qualquer situação de atuação profissional damos abaixo algumas das características mais comuns de cada instinto:

Ø      Sobrevivência: Manter a vida a qualquer custo é a meta de qualquer ser vivo, nem sempre importando como, pelo maior tempo possível.
Ø      Conservação: Para se manter vivo pelo maior tempo possível é preciso ter qualidade de vida, o que está diretamente relacionado na interação do individuo com o seu meio ambiente.
Ø      Perpetuação ou Reprodução: Manter-se vivo a qualquer custo e pelo maior tempo possível tem, na maioria das vezes, a intenção de fazer com que seus genes passem à maior prole possível, com um (a) ou mais parceiros (as).
Ø      Instinto Gregário: Ao se emparceirar, na maioria das vezes o ser vivo percebe que isso é apenas um ensaio para uma vida mais grupal. É fácil perceber que se agregando a um, dois ou mais, ou a um grupo social sempre se pode mais do que como individuo.
Ø      Instinto Regrário: Para se viver em grupo, segue-se uma necessidade crucial: Estabelecer códigos, normas, leis e preceitos sócio-culturais sem os quais o tecido social se romperia, seja ele o núcleo básico, o grupo familiar ou toda uma comunidade em si.
Ø      Instinto Graciário: É um neologismo criado por Acaiah usando o radical grego Gracya que significa mando, governo. Fica claro que não se pode deixar por conta de cada indivíduo a aplicação das regras e códigos criados no Instinto Regrário no sentido irrestrito. Ao indivíduo cabe viver em grupo dentro dos parâmetros comportamentais estabelecidos por essas regras e códigos. Assim sendo estabelece-se um sistema  regulador e aplicador dessas leis e códigos chamado Governo.
             Uma boa liderança (ou governo) sempre aumenta a chance de sobreviver, ter qualidade de vida, reproduzir, ser agregar e etc. O ciclo começa de novo e assim sucessivamente.
             Aos profissionais iniciantes ou não, chamo a atenção para o fato que com o Ciclo e as perguntas certas, se chega muito mais rápido ao que interessa, seja um paciente, um par, uma família, um grupo social, além de suas manifestações mais comuns; empresas, clubes, associações e etc.É com certeza uma boa contribuição para que os profissionais, iniciantes ou não, passem a ser conhecidos pela competência e não pela mesmice, tão comum a muitas categorias profissionais.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

ACAIAH, Ben. Psicodinâmica; Construção, Desconstrução e Reconstrução do Indivíduo. Paris. 100p. Tese de Doutorado. Departamento de Psicologia. Universidade Rosa Cruz. 1987